#A morte do meu avô
Jamais vou saber quais eram os sonhos dele, quais as aspirações, o que o motivava a continuar vivendo e a cultivar seu pomar. Não lembro qual minha idade nos momentos com ele que me marcaram, como no dia em que ele doente estava internado em um hospital de Curitiba. Meus pais e eu viemos de Ponta Grossa para Curitiba para visitá-lo, e como não permitiram minha entrada no hospital fiquei umas três horas para fora aguardando, sentado em uma cadeira na calçada em frente a uma lanchonete. Este foi o dia em que me apaixonei pela capital do Paraná e decidi que era meu sonho vir morar aqui.
Meu avô, de todo que lembro, sempre morou na sua casinha azul em frente ao Mercado do meu tio. Cultivava de tudo um pouco e mantinha a perfeita organização das coisas, alface aqui, tomate alí, árvores podadas, mandioca lá no canto. Sempre tinha cachorros, que o adoravam. Casou-se com uma mulher muitos anos depois que minha avó tinha falecido (antes de eu nascer). Num ponto qualquer do tempo separou-se. Ficou triste. Sofreu com problemas do coração. E num dia morreu.
Era meio dia, no horário de almoço eu e meu pai em casa esperando minha mãe terminar o almoço. Se não me engano foi minha mãe quem atendeu, e com os olhos já lacrimejados passou o telefone para meu pai. Foi um choque, foi um soco na racionalidade com a qual as questões geralmente são tratadas lá em casa, além disso, as ligações ruins são singulares, sempre sabemos pela expressão de quem atende que não se trata de algo bom. Olhei pro meu pai, olhei pra minha mãe, ela falou “Seu vô, Rafael. Seu vô”.
É pela presença que sentimos a falta. Somente o ser humano compreende passado, presente e futuro. É por isso que temos apego às coisas e às pessoas. Meu avô ia frequentemente visitar a loja do meu pai na qual eu trabalhava, e passou a não aparecer mais, a morte em si não causa dor, é a sua consequência que nos deixa vulneráveis.
Saí com meu pai em direção à casa do meu avô, chegamos lá e algumas pessoas estavam aglomeradas próximo da porta. Entramos, e lá estava meu avô caído próximo da porta do banheiro, seu coração parou e o fez ficar alí mesmo. Estava de olhos abertos ainda. Meu tio, o qual não tenho muito contato, estava respirando rápido olhando por todos os cantos e esperando um choro que não lhe vinha. O mesmo aconteceu com meu pai. E eu. Meu pai então se abaixou e puxou as pálpebras do meu avô. A partir daquele momento ele não veria mais nada.
Ele trocava o nome dos personagens de novelas, achava que um personagem estava em duas novelas ao mesmo tempo, e falava sozinho vendo TV. De vez em quando ia lá em casa, e meu pai assava carne no forno, minha mãe fazia purê de batata, arroz, alguma salada e algum outro prato que não recordo agora. Jantávamos, e depois meu pai o levava até sua casa, ele nunca gostou de posar fora de casa, assim como minha avó materna. As pessoas idosas valorizam o lar de uma forma incompreensível para nós jovens.
Queria lembrar de tempos anteriores, queria lembrar do tempo em que eu tinha meus dois vôs.
estefano-sezefredo
Queria lembrar da relação deles, se é que eu tinha percepção suficiente para entender como era a relação deles. Um gordo e um magro, eu ainda quero escrever sobre o Sezefredo Severino, meu outro vô, o qual morreu antes e tenho ainda menos lembranças, como a dos almoços em que ele ia na minha casa sempre tendo meus primos a tira colo. Barulho da panela de pressão, acordo, vou com os olhos semi abertos procurando o colo da minha mãe, e vejo que meu vô está lá, peço a benção e fico por alí.
Estefano Slonik foi o meu vô. E por fotos sei que ele cuidava de uma fazenda, eu era pequeno demais e não lembro. Sei que ele não gostava do Lula, também pudera, meus bisavôs fugiram do comunismo do leste europeu. Qualquer fagulha de comunismo era rapidamente rebatida por ele como o pior dos males.
A morte do meu avô, no momento em que o vi, senti algo indescritível. Hoje entendo o que era, era paz. Paz por saber que ele viveu e morreu, cumpriu o caminho que é determinado para todos. E sinto-me em paz ao lembrar dele, apesar da falta de oportunidade para ouvir e entender mais histórias, é isso que a lembrança do meu vô me trás, é paz.
dezembro 5, 2009
Comentários:
Arrepiei até a alma quando li o título deste post. Li duas vezes.
Muita coisa do que disseste é parecido com o que sinto. Eu escrevi um texto sobre o meu pai, um texto emocionado, e não coloquei no blog, tá lá, não-publicado.
Em um texto que escrevi quando minha vó faleceu, a última palavra foi também “PAZ”, era como um quociente do que a passagem daquela pessoa no mundo e na minha proximidade representava para mim.
Mas sinceramente, eu não acredito que vi este post publicado hoje.
Meu avô faleceu hoje.
Comentário by Anselmo — dezembro 5, 2009 @ 11:36 pm