Tinha naquele dia um problema, acordei atrasado, já via o descomunal sol que adentrava em minha janela, assustei-me, pulei da cama e fui direto ao banheiro lavar meu rosto e escovar os dentes, enquanto fazia minha higiene bucal me dei conta de que meu despertador havia quebrado, mas agora nada importava tanto quanto chegar ao trabalho. Depressa peguei minhas coisas e sai da minha casa, esta modesta e pequena em um bairro qualquer da cidade do Rio de Janeiro. Correndo um pouco alcanço o ônibus que estava a passar. Pergunto as horas a uma senhora de mais ou menos setenta e nove anos vestida em uma camisa azul com algumas inscrições vermelhas e uma calça jeans bem despojada, com uma cara fechada, de poucos amigos, ela me reponde que já são quase dez horas da manhã. Aquele comportamento estranho da velha senhora não mais chamava me a atenção, as pessoas não gostam de mim, me vem como se fosse um inimigo, talvez seja meu cabelo normal, ou meus olhos normais, iguais a quaisquer olhos. Cheguei ao meu destino, desço e começo novamente a correr, passo por uma pequena praça, como o tempo não me permite dispenso a diária cocada do Seu Ademir, uma pessoa muito gentil e alegre, que todos os dias está ali para sustentar seus três filhos. Chego ao prédio azul, três andares, construção nova, pintura ainda viva, cumprimento o porteiro e chego ao Escritório L&A Contabilidade Ltda. O ambiente daquele lugar é bom, tudo é novo, tudo cheira a novo, André, um dos donos pergunta-me o motivo do atraso, fui sincero, disse que perdi as horas, ele pergunta-me se isso não irá se repetir, somente coloco um insosso "não senhor" e dirijo-me rapidamente à minha mesa. As horas passam rápido para um auxiliar de escritório que chega atrasado ao serviço. Um colega avisa que já está na hora do almoço, saio sozinho e vou até um restaurante simples próximo dali, sirvo-me com um PF e volto ao trabalho. Novamente as horas voam, já são seis e meia da tarde, o céu escuro, as pessoas se amontoando nos coletivos, atropelando umas as outras nas calçadas, de fundo o som eletrônico de alguns carros parados na esquina próxima, um ou outro para pára em alguma lanchonete ou café, todo este movimento poderia me causar náuseas, mas parece que nada acontece, que tudo é um sistema voluntário linear em que vivemos, e que deixamos que nos viva. O porteiro do prédio me alerta que estou ali parado por dez ou quinze minutos, não lembro ao certo, saio caminhando, passo em uma lojinha para comprar um despertador novo, então retomo em direção ao ponto de ônibus que me levará novamente a minha casa, onde vou jantar, assistir a algum noticiário, a uma novela, um ou outro programa desinteressante e por fim dormir, desta vez ajustando meu novo despertador, para que amanhã seja mais um amanhã.
2004-09-26T02:41:06.000Z