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Meu Reinado por uma Festa

Família Real

A Família Real

Em 2002 o Centro Acadêmico de Ciências Sociais sofreu um golpe de estado e passou a chamar-se Centro Acadêmico Hugo Chaves. Lembro dos alunos estourando o cadeado Papaiz e invadindo a sala que contava na época com um PS One com 4 jogos e dois controles, uma tv Toshiba de 20 polegadas, um computador da marca Positivo com processador Sempron, uma mesa de ferro daquelas usadas em barecos próximos da reitoria, um sofá com o encosto do assento do meio quebrado e um mural confeccionado em isopor e emoldurado com alumínio. O Presidente, o Primeiro Secretário, o Secretário de Esportes, a Secretária de Eventos, o Secretário de Comunicação, o Secretário de Assuntos Políticos e os apoiadores nada puderam fazer contra as vinte pessoas que insurgiram e derrubaram o governo atual do Centro Acadêmico que tinha sido re-eleito por uma pequena margem de votos (120 contra 110 da oposição). A revolução estava a toda, armados com placas com dizeres de liberdade e rostos de personalidades políticas paradoxalmente relacionadas (como Guevara e Dalai), os alunos ouviram discursos sobre a nova relação que o Centro Acadêmico teria com o Reitor entre outras promessas. E triunfante, o líder que tinha seu cabelo comprido e encaracolado vibrando ao gosto do vento gelado que entrava pelas janelas, informou sobre a mudança do nome do CA. Agora chamar-se-ia Centro Acadêmico Hugo Chaves. Pois bem, nessa época eu era aluno do terceiro ano e estava alheio a todas as movimentações político-acadêmicas. Porém, aquele golpe me fez repensar meu papel. Diante dos acontecimentos decidi me arriscar com uns colegas e questionar o golpe realizado por aqueles malucos do segundo ano. Foi o que fiz no dia da Reunião da Pró-reitoria responsável. Dizia que aquele golpe jamais era válido pois feria os princípios do ensino, pesquisa e extensão da nossa Universidade, os servidores administrativos concordaram e me inscreveram como possível líder do novo governo do CA Hugo Chaves. Uma vez empossado resolvi clamar por um recurso esquecido nas Leis relacionadas: "instituição de forma substantiva de um novo sistema de governo". A minha proposta foi aprovada (e jamais ninguém sabera o real motivo. Esta verdade é que eu comi a professora mais conhecida do departamento e tinha algumas fotos dela nua. Um pouco de pressão foi suficiente para que ela encontrasse jeito de convencer o resto do quorum político necessário para a aprovação). Agora o Centro Acadêmico Hugo Chaves era conduzido por um sistema governamental monárquico no qual eu e minha namorada éramos a Família Real. Um adendo importante é contar que o nome do CA permaneceu sendo aquele em homenagem ao líder populista da Venezuela. Organizamos diversas festas com cerveja barata para conseguir o apoio ainda mais incondicional dos súditos. Após alguns meses já não havia um estudante sequer a questionar nossas atitudes. Éramos realmente uma família Real. Entretanto, o cidadão que um dia fora o Presidente do CA estava insatisfeito e eu percebi isso quando ele se recusou a ir à festa que organizamos na Chácara do Buraco. Conversei com ele e concedi o título extraordinário de Primeiro Príncipe do Centro Acadêmico Hugo Chaves. Na terça-feira ele acabou aparecendo no intervalo das aulas para cumprir a função que lhe fosse demandada. Pois bem, vós que sois meu herdeiro direto contatai a distribuidora de bebidas Rei das Bebidas em meu nome e negociai cerveja barata para a festa vindoura. Seis meses e meu Reinado era absoluto. Eu mantinha os súditos felizes provendo-lhes álcool para suportarem a carga de estudos, eles permaneciam inrevoltosos contra minha pessoa Real. E então veio o fato que derrubou o Reino do Centro Acadêmico Hugo Chaves. Estava rolando uma grande festa, a maior que já havíamos produzido. Esta contava com a participação dos cursos de Filosofia, Economia, Direito, Odontologia e Engenharia Florestal. Minha diplomacia era conhecida por todos, e num golpe de unificação dos povos concebi este evento reunindo filósofos, comunistas, capitalistas, dentistas e carpinteiros. Foi um final de semana de festa acampado na Fazenda Vinho Tinto, foi a maior festa que aquela Universidade já viu. Na sexta a noite o pessoal chegou e nós tínhamos uma equipe vestida com camisas portadoras do rótulo Staff. O Staff ajudou a assentar os comunistas, fazer check-in dos capitalistas, marcar consultas com as dentistas, e foi ajudado pelos carpinteiros a construir uma fogueira. Os filósofos organizaram-se e ficaram ao relento. Providenciamos alguns cobertores para eles e a possibilidade de emprestar barracas e colchonetes. Quando o relógio marcou meia-noite, a banda Aqui Com Tudo subiu ao palco, o pessoal se juntou próximo do palco e da fogueira. E antes deles começarem a cantar "Menina To Contigo Nessa Noite Fria" discursei para meus súditos e o pessoal além-Reino. Palavras de Ordem, conclamei o evento como um Festival, instaurei a Liberdade, concedi créditos para a Razão e enquanto todos deliravam com palmas, assovios e risadas bem sonorizadas saí do palco. Meu fade-out deu início ao fade-in e então já se ouvia: "quando estou contigo / menina nesta noite fria / quero amar sua boca / suas coxas e sua amiga". Rei. Chamou a minha namorada. E não lembro de muita coisa depois disso. Acordei por volta das 17h e já havia movimentação das pessoas no palco e em pequenos grupos reunidos como feudos espalhados pela área da festa na fazenda. Como um pai orgulhoso do filho, tirei fotos para colocar no Blog Real do CA Hugo Chaves. Então a noite de sábado foi parecida com a do dia anterior. Tivemos outra banda de sucesso entre os súditos, e diversão até o grande churrasco de domingo. O Primeiro Príncipe e sua equipe estavam servindo a carne do churrasco de domingo quando o som foi desligado e ouvi sirenes. Lembro muito bem da cena, um cidadão caminhando a passos rápidos em minha direção com um papel na mão. Quando chegou indagou se eu era o senhor Leandro Roberto Silveira da Penha, vulgo Rei Leandrinho. Afirmei e meus braços foram jogados para uma região nas costas na qual nunca havia encostado os dedos e lá permaneceram juntos. O senhor está preso, senhor Leandro Roberto, por tráfico de drogas. A festa acabou na mesma hora. Fui para a delegacia, respondi processo e peguei seis meses de trabalho comunitário. Diziam que mesmo não sendo traficante havia facilitado o tráfico e o uso dos entorpecentes. A Rainha me largou e o Centro Acadêmico teve seu nome e regime substituído, agora era Republicano e chamava-se Centro Acadêmico de Ciências Sociais Marx & Weber. A vergonha era tanta que acabei por desistir do curso. Acabara meu Reino, acabara minha vida acadêmica. Fui deposto pela Polícia Federal. __ Foto: lewis chaplin.

2009-07-21T18:53:21.000Z