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O estagiário e a GED

Arquivo da vida

O professor está pedindo, então vou escrever um relatório contando minha história no estágio. É uma história complicada, mas que no fim deu tudo certo. Sou aluno de Administração de Empresas pela FAGENPE (Faculdades Genéricas de Pelotas), estou a ponto de concluir meu curso. Na metade do segundo ano a união da necessidade de dinheiro com a possibilidade de adquirir experiência me conduziu a ser um cadidato na vaga de emprego numa grande empresa do ramo dos calçados. O emprego era uma merda mas o dinheiro que eu conseguia ajudava a pagar os remédios da minha avó que sofria naquela ocasião com dores dilacerantes nas tripas causadas por alguns tumores malígnos. Na entrevista fui obrigado a escrever uma redação e a responder várias perguntas para uma psicóloga vesga, ressalto o problema com os olhos da psicóloga para que todos tenham ideia do esforço dispendido por mim para olhá-la nos olhos, como recomendou o Max no Fantástico na semana anterior. Éramos oito candidatos dos quais apenas eu e a menina gostosinha passamos. A gostosinha foi conduzida para ocupar um cargo como secretária de um dos executivos, fato estranho já que na oferta de emprego não constava tal vaga. Eu, fui para a vaga de Auxiliar de Escritório. Fui bem recebido por todos os funcionários do escritório. Eram dezoito pessoas trabalhando com as vendas, com as compras, marketing e outros departamentos menos importantes. Fiquei chateado por nunca terem perguntado meu nome, chamaram-me na primeira vez de Binho, e como Binho fiquei. Comecei carregando papéis, buscando clips borracha cd virgem elástico caneta post-it envelope grampos e ajudando no picoteamento de papel. Não era bem o que eu buscava, mas pensava na gorda bolsa de ajuda de R$570+VT por 6h de trabalho, e então me confortava. Depois de uns meses foram me cedendo tarefas mais importantes e chegou um momento que praticamente me consolidei em uma posição. Era responsável por organizar os milhares de documentos dos arquivos da empresa. Muita responsabilidade, gostava da sensação de ser confiado. Quem lembra de arquivo geralmente arremete a algo estacionado, entretanto comigo era a correria todo o dia. Não passava meia hora sem que alguém discasse para meu ramal: "Binho tu me vê o contrato com os china, mãs venha rápido guri, tô no telefone com os caras". E lá eu ia correndo. Era trabalhoso, mas eu estava feliz com aquilo por enquanto. Nem formado estava e já ganhando R$650 (aumento!) com benefícios, quem é que tem uma oportunidade dessas? Tudo estava na rotina até que um dia meu mundo sofreu o choque de um asteróide. O seu Genival do Vendas me chamou na sua sala e proferiu sem muitas delongas: "implantamos um sistema aí, não precisamos mais de ti pra arrumar os documentos. Vamos descartar tudo, sistema aí chama géde, agora nego vai digitar no computador e ter o documento na hora, não precisa mais te ligar". Senti a necessidade de puxar mais oxigênio, senti os batimentos do meu coração e eles aumentavam no galope, pensei na minha vózinha morimbunda, não teria dinheiro pra comprar os remédios dela, minha vista escureceu. Acordei com o Paulo asfixiando-me com um pano a cheirar vinagre, afastei o braço dele e me coloquei sentado com os braços apoiados no joelho e cabeça baixa. "Me deixa eu recuperar o fôlego aqui Paulo, depois pego as minhas coisas e vou embora". "Bah! Embora pra quê, guri? Não aguenta um desmaiozinho?". "Eu fui demitido...". "Ah, eu entendo. Tu não tá na rua não. Vão é te mudar de função Binho véio". Olhei pra ele, e abracei-o emocionado. "Me larga seu tricolor fedido!". Sou colorado, mas nem fiquei incomodado, meu emprego estava assegurado. Depois daquela confusão tudo melhorou para mim aqui na empresa, perguntaram e ficaram sabendo que meu nome é Valdinei que torço pro colorado, e até me convidaram pra jogar truco nos churrascos da empresa. Mas o melhor foi ter minha função alterada: passei a ser o responsável por mapear os metadados, escanear, e inserir as NF's no sistema. Estou pra ser efetivado assim que concluir meu curso, o que vai quase dobrar meu salário. Pena que a vovó acabou morrendo. Se bem que agora posso gastar a grana do remédio da véia com putaria. __ foto: eric.acevedo.

2009-07-27T08:59:24.000Z