Eu preciso escrever a minha crônica que vai sair amanhã bem cedo no jornal. Passar a limpo na máquina de escrever, dobrar o papel e enfiar no envelope. Ainda deixar até às 20 horas na portaria do número 26 na Travessa dos Apressados.
Eu que escrevo sempre um dia antes, para com um dia de folga não ser espremido pelo prazo, não escrevi ontem. Valeu a pena, é claro. Senão jamais teria contado e ouvido dezenas de histórias regadas na cerveja lá na Rua dos Pescadores.
Como pude não repor o meu estoque de crônicas de besteiras? Que bobagem ter passado aquela semana longe no mês passado, só para acompanhar de perto aquelas palestras daquelas pessoas naquele lugar. E toda noite seguia para cá ou para lá com aquelas pessoas. Teve até um dia que consegui receber um convite para palestrar no ano que vem. Vai ser noutra cidade, numa tal Avenida das Baboseiras.
Mais um prazo! Submeter aos juízes do congresso algum destes textos mais compridos e sérios meus. O que vira livro. Aquele livro da capa azul com escrito em vermelho, me falaram, vai dar um belo de um discurso político. Capa feia, mas estava ocupado para escolher e quando abri a carta do editor, já tinha se esvaído o prazo, fiquei sem escolha. Até fui na casa dele ver se dava para trocar, mas acabei só fazendo uma visita de cortesia, azar da capa, melhor brincar com os cachorros no gramado da frente, na sossegada Rua Tranquila.
Amanhã eu juro que escrevo várias. A de hoje eu improviso. Eu prometo, nessa de hoje, uma lista das próximas. Vou começar na loiraça que conquistou o meu amigo só pra andar de carro novo, que era da firma, que ele devolveu, que ela sumiu. Me contaram na Rua dos Pescadores. Imaginarei os olhares entediados quando eu disser abobrinha na Avenida das Baboseiras. E não perdem por esperar quando eu contar a grande aventura dos cachorros do meu editor antes de serem adotados e mudarem para a Rua Tranquila.
Ponto final. Tiro o papel. Dobro e coloco no envelope. Agora para entregar é só sair aqui de casa, que fica no Beco sem Saída.
2016-11-07 07:36:53